Com cortes de salários, professores da rede municipal de Feira de Santana vivem momentos difíceis
Desde o mês de abril do ano passado, os professores da rede municipal de Feira de Santana, enfrentam grandes dificuldades devido ao corte de salário, que segundo a prefeitura, são referentes às horas extras e deslocamentos que não estavam acontecendo durante a suspensão das aulas presenciais.
Um ano após o primeiro corte feito nos salários, os professores tiveram que se virar para pagar as contas. Alguns até retornaram para a cidade de origem por não conseguir manter o sustento aqui no município.
“Minha vida durante esse período de pandemia foi muito complicada, porque como sou de outra cidade, da região de Irecê, eu vim para Feira no mês de julho de 2019 quando fui convocada, passando seis meses me adaptando a cidade, com todas as novas despesas e quando iniciamos as aulas, veio a pandemia no mês de março, fazendo com que minha vida ficasse de cabeça para baixo. O meu corte foi no valor de 50% e com isso tive que me submeter a empréstimos consignados que é o que está ajudando nas despesas de casa, mas comprometeu a renda. No final de tudo, o que recebo é um salário mínimo e não tive como permanecer aqui, voltei para Irecê, mas ainda com débitos do aluguel”, relatou uma das professoras, que pediu para não ser identificada.
Com uma carreira de 20 anos na profissão, a professora que trabalha na escola Almira Pereira Lago, localizada no bairro Campo do Gado Novo, informou ao Acorda Cidade que nunca imaginou passar por um momento tão difícil na vida, chegando ao ponto de ter que vender um terreno para cobrir todos os gastos.
“Não existe possibilidade da pessoa se manter em Feira de Santana com um salário de R$ 1.100. Eu sou mãe de família e tive que vender bens, como o meu terreno e que não estava na minha programação, mas precisei fazer isso. Cada dia que passa fico assustada porque em 20 anos de professora, nunca passei por isso. A prefeitura nos colocou em condições humilhantes, trabalhei em uma escola com péssimas condições de infraestrutura, uma escola esquecida pela prefeitura e tenho certeza que deveria haver um olhar diferenciado, principalmente voltado para aquela região que necessita”, explicou.
Para a educadora, toda ação realizada pela prefeitura é caracterizada como uma falta de respeito à categoria, deixando todos os professores em situações críticas.
“Se formos consultar outras cidades menores, nada disso foi feito. O município de Irecê mesmo, manteve o quadro de professores assim como as aulas remotas desde o ano passado. Feira de Santana zerou tudo e digo que eles optaram por cortar salários para não oferecer atividades, acreditando na possibilidade do retorno presencial, isso é um desrespeito”, disse.
Também com o corte de 50%, outro professor informou à reportagem do Acorda Cidade que está sendo uma batalha diária sobreviver e honrar os compromissos.
“Muitos professores estão se desfazendo de bens, no meu caso, eu tive um corte de 50%, mas conheço colegas que tiveram 70% no salário. Eu tive que retornar para a casa da minha mãe e até hoje, um ano depois, o governo municipal se coloca de forma insensível para resolver nosso problema. Quando ganhamos a ação em primeira instância com o aval do Ministério Público, o governo recorreu dessa decisão e até hoje o Tribunal de Justiça não julgou esse caso em cinco sessões consecutivas. Está sendo uma batalha diária para sobreviver e honrar com nossos compromissos”, destacou o professor que também pediu ao Acorda Cidade para não ser identificado.
Com 70% de corte no salário, um dos professores que faz parte do quadro efetivo do município, explicou que muitos profissionais deixaram empregos formais em outros municípios em busca da estabilidade através do concurso público, mas devido a estes cortes, a busca de um sonho, se tornou um pesadelo.
“Assim como eu, diversos outros colegas de outras cidades aqui da Bahia, até de fora do estado, estão passando por dificuldades financeiras. Eu tenho colegas por exemplo que trouxeram seus cônjuges que estavam empregados em outras cidades e ambos se desligaram desses empregos, para vislumbrar a estabilidade do concurso público, trouxeram filhos e a gente sabe que a maior parte do corpo docente da rede municipal, é formada por mulheres. Elas se tornaram o sustentáculo das suas famílias”, afirmou.
Ainda segundo o professor, desde o retorno das aulas em formato remoto no dia 29 de março, a prefeitura ainda não se posicionou com relação ao pagamento dos profissionais.
“Até o momento não deram nenhum posicionamento efetivo sobre o restabelecimento e a devolução dos nossos salários. Agiram de forma covarde, deixaram a categoria fragilizada, principalmente nesse contexto da pandemia, não só os professores, mas toda a rede municipal foi desamparada. Estamos acompanhando aí nas reportagens, os pais reclamando de forma constante a falta dos alimentos, a falta do suporte tecnológico e sabemos que a maioria dos nossos estudantes não possuem fácil acesso a essas ferramentas, principalmente os estudantes da zona rural que estão sendo desamparados”, lembrou.
Concursada no município há 29 anos, uma das educadoras informou ao Acorda Cidade que entrou para o quadro da prefeitura, ainda na gestão de Colbert Martins, pai do atual prefeito. Segundo ela, foi preciso abdicar de muitas coisas, como vender um notebook e um celular da filha para honrar os pagamentos dentro de casa.
“Eu fiz o concurso na época do prefeito ‘Colbert pai’ que nos representou com o plano de carreira, plano esse que infelizmente o filho não cumpriu. Sou professora do distrito e perdi o percentual de 35% em cima do meu salário. Moro de aluguel com três filhos que ainda são menores de idade e dependem de mim. Não temos direito ao Auxílio Emergencial, nosso salário cortado há um ano e o prefeito finge que a gente não existe. Por que não cortou o salário dos vereadores? Eu tive que vender um notebook e o celular da minha filha, além de mudar radicalmente nossa alimentação dentro de casa. Fora isso, temos os altos gastos de aluguel, gás, luz, internet, água. É completamente visível o descaso da prefeitura com nossa classe, caso o nosso salário volte ao normal, será um milagre, porque se depender do prefeito, ele vai continuar massacrando nossa categoria”, disse.
Trabalhando na rede de ensino privada, uma das professoras abdicou do emprego para se dedicar ao ensino municipal. De acordo com ela, o corte de 50% no mês de abril foi como uma bomba, pois a mesma era responsável pelas despesas da casa.
“Eu estava recebendo meu salário de forma normal, fiz compromissos, era responsável pelas contas dentro de casa e fui surpreendida no mês de abril do ano passado com o corte de 50% no meu salário. Minha vida virou uma bola de neve, não consegui pagar minhas contas e tenho pedido ajuda aos meus familiares. Afinal, ninguém esperava isso e estamos há um ano nesta situação. Contas acumuladas, sem diálogo com o prefeito e diz apenas que se trata de hora extra, mas o sindicato já esclareceu que não é. Hora extra é quando ultrapassamos 40 horas semanais, o que não é o caso. Procurei até o que vender dentro de casa, mas não achei, esta é uma situação que não desejo a ninguém. Recebi algumas cestas básicas como ajuda, mas infelizmente a minha maior dificuldade nesse momento é quitar meus empréstimos que possuem juros altíssimos. Às vezes preciso até comprar remédio para pressão alta e depressão, mas não consigo por falta do dinheiro”, concluiu.