Juíza de Brasília rejeita denúncia contra Lula no caso do sítio de Atibaia e declara extinta punição
A juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal Criminal de Brasília, rejeitou denúncia reapresentada pelo MPF (Ministério Público Federal) contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do sítio de Atibaia (SP), fruto da Operação Lava Jato.
A decisão foi tomada no último sábado (21). Alves também refutou a denúncia contra todos os demais envolvidos no caso que havia tramitado na 13ª Vara Federal de Curitiba, então sob o comando de Sergio Moro. Cabe recurso. Na peça de 45 páginas, a magistrada afirmou que a Procuradoria deixou de fazer “a adequação da peça acusatória” às recentes decisões tomadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Ela ainda extinguiu punição a Lula em razão de prescrição de pena.
A Procuradoria da República no Distrito Federal afirmou à Folha que o procurador Frederico Paiva, encarregado do caso, não comentaria a decisão judicial. Alves não se manifestou sobre o mérito das acusações feitas pela Lava Jato —no caso, se o petista e os demais investigados são culpados ou inocentes. Ao rejeitar a denúncia, a juíza se ateve à visão do STF, que tratou de questões processuais.
O Supremo decretou a nulidade do processo, após condenação em primeira e segunda instância, sob o argumento de que Moro era incompetente e parcial para julgá-lo. Ou seja, a acusação não deveria ter sido julgada na capital paranaense, e o então juiz, que posteriormente assumiu o cargo de ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, não atuou, segundo o tribunal, de forma imparcial nos processos.
O caso, então, foi deslocado para a Justiça Federal no Distrito Federal. O MPF na capital federal reapresentou o caso, mas Alves o rejeitou. O advogado Cristiano Zanin, que defende Lula, afirmou que a decisão reforça que o petista “foi vítima de uma perseguição nos últimos anos”.
De acordo com o criminalista, o caso do sítio de Atibaia, “tal como todas as outras acusações lançadas contra o ex-presidente, foi construído a partir de mentiras e deturpações jurídicas idealizadas por alguns membros do Ministério Público que não honram a prestigiosa instituição”.
Segundo a denúncia, os réus praticaram os crimes de corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro. A ação trata do episódio da reforma feita no sítio em troca de suposto favorecimento às construtoras OAS e Odebrecht.
A juíza ainda negou qualquer punição aos envolvidos com mais de 70 anos em razão de prescrição. “Declaro extinta a punibilidade dos denunciados septuagenários Luiz Inácio Lula da Silva, Emílio Alves Odebrecht, Alexandrino de Salles Ramos de Alencar e Carlos Armando Guedes Paschoal”, escreveu a magistrada. Também ficou livre de punição José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, da OAS.
A razão para a tomada de decisão, segundo a juíza, se dá em decorrência dos posicionamentos recentes do STF. “O Supremo Tribunal Federal, nas decisões proferidas nos Habeas Corpus n. 193.726/PR e Habeas Corpus n. 164.493/PR, decretou a nulidade de todos os atos decisórios proferidos no feito pelo então juiz federal Sergio Fernando Moro”, escreveu.
“Na hipótese em análise, parte significativa das provas que consubstanciavam a justa causa apontada na denúncia originária foi invalidada pelo Supremo Tribunal Federal, o que findou por esvaziar a justa causa até então existente, sendo certo que o Ministério Público Federal não se desincumbiu de indicar a este Juízo quais as provas e elementos de provas permaneceram válidos e constituem justa causa, que se traduz em substrato probatório mínimo de indícios de autoria e materialidade delitivas, para dar início à ação penal”, afirmou Alves.
Dessa forma, segundo a juíza, “não há como prosseguir a ação penal sem que o Ministério Público Federal realize a adequação da peça acusatória aos ditames da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal mediante o cotejo das decisões e provas delas resultantes e detração daquelas que foram anuladas”.
Segundo a juíza, falta a indicação de documentos e novos elementos de provas em razão de a denúncia original, apresentada em Curitiba, estar prejudicada. “No presente caso, reitero, a mera ratificação da denúncia sem o decotamento das provas invalidadas em virtude da anulação das decisões pelo Supremo Tribunal Federal mediante o cotejo analítico das provas existentes nos autos não tem o condão de atender ao requisito da demonstração da justa causa, imprescindível ao seu recebimento.”
O ex-presidente Lula foi condenado a 12 anos e 11 meses de reclusão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia, em fevereiro de 2019. O pagamento de obras na propriedade pela Odebrecht foi revelado pela Folha em reportagem de janeiro de 2016.
A sentença foi dada então pela juíza Gabriela Hardt, que substituía Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. “É fato que a família do ex-presidente Lula era frequentadora assídua no imóvel, bem como que usufruiu dele como se dona fosse”, escreveu a magistrada na sentença.
A decisão foi confirmada em segunda instância. Em dezembro de 2019, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) manteve, por unanimidade, a condenação do petista. O trio de juízes da segunda instância havia condenado o ex-presidente a 17 anos e 1 mês de prisão por corrupção e lavagem —na primeira instância, a pena era menor. Lula nega todos os crimes.
Com as decisões do STF, o petista foi reabilitado politicamente. Caso queira, Lula poderá disputar a eleição para presidente em 2022 e já se apresenta como o principal adversário de Bolsonaro. A mais recente pesquisa Datafolha, publicada em 9 de julho, mostra o ex-presidente à frente na corrida eleitoral. De acordo com o levantamento, Lula ampliou a vantagem.
O petista lidera nos dois cenários apresentados para o eleitor e em todas as simulações de disputa de segundo turno —naquela em que enfrenta Bolsonaro, ganha por 58% a 31%.