Um eventual impeachment do presidente Jair Bolsonaro tiraria o capitão reformado imediatamente da Presidência, mas não o impediria de concorrer às eleições de 2022. Isso porque, em 31 de agosto de 2016, durante a votação da cassação do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), uma articulação de última hora garantiu a manutenção dos direitos políticos dela. O mesmo recurso poderia valer para o atual chefe do Executivo.
O artigo 52 da Constituição prevê a perda de direitos políticos por 8 anos depois de impeachment. O texto da lei diz que, ao perder o cargo, o político deve ser penalizado também com “inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
No entanto, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão do impedimento de Dilma no Senado, aceitou um destaque apresentado pelo PT.
A articulação rendeu duas votações independentes. No fim, o impeachment foi aprovado com quórum qualificado e a inelegibilidade não. A manobra foi bastante criticada por advogados.
Na época, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) defendeu o fatiamento do artigo sob o argumento de que a ex-presidente precisava ser punida, mas a perda de direitos seria uma pena exagerada. “No Nordeste, costumam dizer uma coisa: ‘Além da queda, coice’. Não podemos deixar de julgar, mas não podemos ser maus, desumanos”, disse Renan em discurso.
Depois que o impedimento da petista foi aprovado, o PSDB entrou com mandado de segurança contra o desmembramento das votações, mas desistiu com receio de que a Corte anulasse toda a sessão. O STF nunca analisou o tema.
Dilma chegou a se candidatar ao Senado por Minas Gerais em 2018, mas não foi eleita.
Segundo especialistas em direito ouvidos pela Folha de S. Paulo, a decisão sobre Dilma não tem base na Constituição, mas é um precedente e não tem como evitar que ele seja invocado por Bolsonaro.
O secretário-geral do Senado na época do impedimento de Dilma, Luiz Fernando Bandeira de Mello, avalia que o fatiamento também ocorreu na cassação dos direitos do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Tanto que, mesmo depois da renúncia, Collor perdeu os direitos políticos.
No entanto, especialistas explicam que Bolsonaro não teria o mesmo direito automaticamente. O precedente é a apresentação do destaque, mas quem decide se o tratamento será o mesmo é o Senado.
Um senador aliado de Bolsonaro teria de levantar a questão usando o caso de Dilma como argumento. Caso o Senado tornasse Bolsonaro inelegível, caberia recurso no STF. A possibilidade do STF interferir na decisão do Senado é pequena.
Outro cenário seria o próprio presidente do STF, Luiz Fux, que comandaria o eventual julgamento de Bolsonaro, estabelecer, de partida, a realização de duas votações separadas.
A decisão sobre a perda de inelegibilidade dependeria da avaliação dos senadores sobre a gravidade dos crimes cometidos pelo presidente.
Para aprovar o impedimento do presidente da República, são necessário 54 votos a favor entre os 81 senadores. Dilma recebeu 61 votos pela sua saída e 42 pela perda da elegibilidade.
Além da má gestão da pandemia apontada por opositores, na semana passada, o STF abriu um inquérito contra Bolsonaro por ataques contra o sistema eleitoral, que também poderia render um impeachment.