Morador de Moreno, no Grande Recife, o eletricista Edivaldo Teodósio dos Santos Júnior, de 35 anos, foi preso após ser alvo de um mandado de prisão expedido em maio por um homicídio registrado no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro.
Poderia ser mais um caso de alguém detido em Pernambuco por ter praticado um crime em outro estado, não fosse por um detalhe: o nome que constava no documento estava trocado.
Segundo informações da Justiça e da defesa de Edivaldo, o verdadeiro suspeito do crime é um jovem de 25 anos que já se encontrava detido numa unidade prisional na capital fluminense – onde o eletricista nunca esteve na vida. O caso é investigado pelas corregedorias de Justiça do Estado e da Secretaria de Defesa Social (SDS).
Por causa desse erro, Edivaldo passou 41 dias preso. Primeiro, no 6º Batalhão da Polícia Militar e, depois, no Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, também no Grande Recife. As informações foram publicadas pelo Jornal do Commercio e confirmadas pelo g1, que conversou com o eletricista sobre o tempo em que permaneceu na cadeia.
“Quando me recordo, penso que ainda estou lá, fico meio assombrado. Continuo tendo pesadelos daquele tormento, das agressões psicológicas”, afirmou Edivaldo.
Uma série de erros
Preso em 27 de maio, o eletricista, que mora no distrito de Bonança, no município de Moreno, foi solto no dia 7 de julho, após o desembargador Demócrito Reinaldo Filho conceder um habeas corpus.
Na decisão, o magistrado registrou uma série de inconsistências no processo de Edivaldo. Entre elas, o fato de não ter o nome do juiz que autorizou a prisão, nem informações sobre o inquérito policial, ou mesmo sobre a vítima do crime.
“Há, tão somente, a indicação de que o processo trata de suposto crime de homicídio, não existindo menção a processo que apure o cometimento deste delito”, escreveu o desembargador no texto, acrescentando que o código que constava no mandado de prisão contra Edivaldo direcionava a outro mandado, referente a um jovem de 25 anos que já estava detido num presídio do Rio de Janeiro.
Ainda segundo o desembargador, os números dos processos relacionados aos dois acusados eram iguais, assim como o número de identificação dos presos. Também não havia qualquer registro de mandado contra Edivaldo no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“E não estamos falando de homônimos [pessoas com nomes idênticos], porque o mandado de prisão foi em nome de uma pessoa completamente diferente, CPF diferente, mãe diferente, não dá para confundir. […] Edivaldo jamais saiu do estado, nunca esteve no Rio de Janeiro”, afirmou o advogado que representa o eletricista, Jeferson Rodrigues de Souza.
“O erro foi do sistema ligado ao CNJ, que é o órgão que mantém o BNMP? Associado a isso, temos a autoridade que enviou a ordem de prisão. Aí é que está o problema. Não foi uma autoridade específica, foi o ‘Tribunal de Justiça de Pernambuco’, o que foi um outro erro. Do que estamos falando? Ou de uma possível fraude, ou de um erro gravíssimo no sistema, que coloca em xeque toda a sociedade. Porque é uma sociedade digital e, a qualquer momento, qualquer pessoa pode ser presa injustamente apenas por um erro numérico”, complementou o advogado.
Ainda de acordo com Jeferson Rodrigues de Souza, logo após a prisão, devido às divergências em relação ao nome que aparecia no documento, Edivaldo não foi levado para audiência de custódia e o juiz responsável pela análise da prisão arquivou o caso, sem determinar a soltura de Edivaldo. O eletricista continuou preso até o dia 7 de julho – 41 dias depois de ser detido.
‘Passei dois dias ao lado do vaso sanitário’
Casado e pai de dois filhos, Edivaldo estava trabalhando numa obra na igreja quando a mãe dele ligou para dizer que a polícia o procurava. Inicialmente, achou que seria para entregar um documento que ele tinha perdido.
“Quando cheguei lá, me informaram que tinha um mandado de prisão. Me conduziram para o 6º Batalhão. E eu estava ali agoniado, desesperado, aflito, sem poder me comunicar com ninguém naquele momento. Fiquei numa sala com mais cinco pessoas. Em seguida, com dois dias que passei, me levaram para o IML (Instituto de Medicina Legal) e, do IML, me conduziram para o Cotel”, recordou o eletricista.
Segundo Edivaldo, os primeiros quatro dias no Cotel foram “desumanos”.
“Uma coisa que não desejo a ninguém. Porque fiquei numa cela com 118 pessoas e ali passei dois dias no banheiro. Lá tem o banheiro e o ‘quarto’, que se considera sendo a cela; e ali a gente ficava três, quatro dias, esperando para que viessem direcionar a um pavilhão. […] Passei dois dias ao lado do vaso sanitário, dejetos, não tem um balde, não tem descarga, nada. É um negócio desumano, terrível. Fico até sem palavras quando me lembro”, contou Edivaldo em entrevista ao g1.
O eletricista disse ainda que, na unidade, não chegou a sofrer agressões físicas, mas foi muito agredido psicologicamente.
“Cortaram minha calça, fiquei sem camisa e com um pedaço de calça parecendo um calção. Fiquei ali, não deram lençol, no frio, no relento. No quarto dia, me levaram para o Pavilhão 3. Quando cheguei lá, meu Deus do céu, olhei para os quatro cantos sem nada, uma pessoa começou a se sensibilizar. Me deu uma camisa velha, usada. Fui procurar uma vasilha no lixo para lavar, porque não dão talher, nenhum suporte. Em todos os aspectos, o suporte é zero”, relatou.
O que dizem as autoridades
Procurado pelo g1, o TJPE informou que, “para apurar o referido caso”, acionou a Corregedoria de Justiça do Estado e solicitou investigação da Polícia Civil.
Já a Secretaria de Defesa Social (SDS) disse que a Corregedoria Geral da instituição iniciou diligências para investigar as circunstâncias da prisão de Edivaldo, “embora não constem no órgão registros de denúncias acerca do caso”.
Ainda de acordo com a SDS, a iniciativa tem como objetivo apurar se houve conduta irregular por parte dos policiais envolvidos na prisão e na condução do eletricista à unidade prisional.
A Polícia Civil afirmou que realizou todos os procedimentos relacionados ao caso “seguindo o trâmite usual”. Quanto à solicitação de investigação feita pelo TJPE, a corporação disse que não foi notificada, mas vai instaurar procedimento preliminar.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) é alimentado por juízes de todo o país, sendo atualizado diariamente, assim que um magistrado insere novo mandado ou retira algum documento quando a ordem de prisão é cumprida.
O CNJ destacou ainda que, segundo a Resolução 251/2018 da própria instituição, “a responsabilidade pelo cadastro de pessoa, expedição de documentos, classificação, atualização e exclusão de dados no sistema, é exclusiva dos tribunais e das autoridades judiciárias responsáveis pelo cadastro da pessoa e pela expedição de documentos”.
O g1 também procurou o governo do Pernambuco para falar sobre a superlotação e as condições de encarceramento no Cotel.
Por meio de nota, a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) informou que:
– Vem trabalhando para ampliar a oferta de vagas nas unidades prisionais do estado;
– Estão em andamento obras para a criação de 2.754 vagas no Complexo Prisional de Araçoiaba; 954, no Presídio Frei Damião de Bozzano, no Complexo do Curado; e 155, na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru;
– A requalificação desses espaços “proporcionará melhores condições sanitárias para as pessoas privadas de liberdade”.